18 de julho de 2014

O cara que a fez se sentir especial

Um dia, de repente, ela se lembrou dele. Fazia tanto tempo...
Ela estava na varanda sentada sozinha com seu livro, como costumava ficar, olhando a vista e esvaziando a mente. Naquela época ela era nova demais. Por algum motivo não conseguia enxergar o quanto era bonita, e o quanto era legal. O garoto que ela namorava estava na sala, rindo de qualquer coisa idiota com os amigos também idiotas. Ela ainda não sabia, mas ele não sabia cuidar dela como deveria. Ele não a fazia sentir-se especial. Ela não tinha notado, mas fazia tanto tempo que ele não a fazia rir... Porque ele não era divertido, e não fazia ela se divertir. Mas ela estava tão acostumada a ficar sozinha que não percebia que algo estava errado, muito errado. Porque ele nunca queria fazer nada com ela. O único tempo que eles tinham juntos era sempre tão sem graça, tão rotineiro. Mas ela ainda não sabia disso, porque nunca tinha se divertido dessa forma com ninguém. 
Naquele dia ela pensava em cavalos, pensava em liberdade, enquanto olhava os montes de vários tons de verde e queria tanto, tanto fazer parte daquilo... Ela estava perdida em sonhos em que o vento batia em seu cabelo, tão perdida que nem notou quando ele chegou e sentou-se ao seu lado, até ele perguntar porque estava tão sozinha. E ela poderia responder tantas coisas diferentes! Poderia dizer que não tinha amigos, que não se interessava por nada do que os outros estavam fazendo e que só queria... Correr, sem ter para onde ir. Podia dizer que era porque queria a companhia de alguém específico, ou que só queria que ele se importasse um pouco mais... Mas ela não queria incomodá-lo com isso. Era engraçado como ele estudava a expressão dela enquanto ela pensava, e em como prestava atenção a cada movimento que ela fazia. Era engraçado como ele prestava atenção nas poucas palavras que ela dizia, e era engraçado como de todas as coisas que ele poderia estar fazendo, ele estava ali falando com ela. Então, ele a puxou para a grama, brincou com ela, lhe ensinou jogos, e a fez sorrir. 
Ele lhe fez companhia durante a tarde toda, e o namorado nem notou sua ausência. À noite, levou-a para ver as estrelas. Não importava onde ele ia, ele sempre a convidava para ir junto, e sempre falava com ela, sempre prestava atenção ao que ela dizia. Enquanto o namorado dela conversava com seus amigos, e ficava sempre distante, ele sempre estava lá para lhe escutar, mesmo quando as outras garotas, mais bonitas e mais legais estavam por perto. Ele olhava dentro dos olhos dela por mais que três segundos. Ele lhe fazia bem. 
Mas ele nunca lhe pediu com palavras uma chance de mostrar que ela era especial, e ela, tão afogada em sua fidelidade, não conseguia perceber que queria dar essa chance a ele. Às vezes ela olhava para sua pele morena, para seu jeito doce, e tinha vontade de ficar por mais tempo. Mas esse era um pensamento que se esforçava para afastar rápido. 
Só hoje, tantos anos depois, é que ela de repente pensou que enquanto insistia em alguém que não lhe acrescentava nada, um outro alguém reconhecia por trás daquelas lentes a pessoa incrível que ela era. Alguém a via como ela realmente era. E ela nunca deu a chance para que esse alguém a fizesse feliz. 

A luz entrava da janela distante

A luz entrava da janela distante, em forma de círculos coloridos que se dissipavam lentamente no ar, como se eles estivessem em uma dimensão diferente; eles tentavam eternizar aquele momento como se fosse uma foto com efeito psicodélico. Eles sabiam que aquele momento logo passaria, e que minutos passavam rápido demais. Sabiam que daqui a pouco ele teria que ir, e que daqui a pouco teriam se passado anos e anos... E que nem sempre a vida dura tanto quanto gostaríamos. 
Mas aquele momento, aquele tão pequeno e frágil momento, era deles e não existia nada além disso. Ele olhava a curvatura dos cílios dela, e ela tentava descobrir coisas no rosto dele que ninguém mais soubesse. Eles estavam deitados na cama do quarto todo branco, sem dizer nenhuma palavra, pensando em milhões de coisas diferentes. 
Enquanto os olhos acinzentados e cheios de pintinhas dela tentavam ler a alma dele, ele pensava que nem todo o tempo do mundo seria suficiente para estar com ela. Ele acariciava o rosto dela, bem na maçã do rosto, como se dissesse que a protegeria de qualquer coisa que viesse, e ela contava quantos riscos tinham os lábios dele. Talvez aquele fosse um dos momentos em que nem mesmo fazer amor consegue expressar o quanto são felizes por terem um ao outro; então ficam lá em silêncio, parados, apenas se olhando e tentando fazer durar... 
Ele era o amuleto dela, a sua força, por quem ela lutaria e pra quem ela voltaria ao final de cada voo, e ela era a sua pequena, aquela que ele esperava voltar, de quem ele cuidaria, e a quem ele dedicaria todo amor que pudesse sentir. Ela era sua borboleta, e ele era o jardim dela. 
Não importava quantos séculos se passassem, ou quantos quilômetros estivessem entre eles, o amor dos dois era palpável, mais real até do que eles mesmos, mais material do que seus corpos, mais profundo que um abismo. Mesmo quando ele fosse embora, e eles não pudessem mais se tocar fisicamente, ainda assim o amor deles seria tocável, e ainda assim eles estariam juntos de uma maneira que é impossível explicar.
Ela beijou suavemente os lábios dele, tentando transferir todo o amor e carinho do coração dela para o dele, e ele sentiu. De alguma forma ele sentiu. Quando eles estavam juntos, aconteciam coisas fisicamente impossíveis, exatamente como a mágica em que a gente acredita quando é criança. Quando eles estavam juntos, coisas lindas subitamente aconteciam: estrelas caíam do céu, a luz desmanchava-se em colorido, apareciam círculos de luz furta-cor no ar, dançando e rodopiando, fogos explodiam no céu escuro. E quando eles estavam longe, todo o universo conspirava para que eles se aproximassem. 
Naquele momento em que ela descansava a cabeça no peito dele, sentindo o coração dele bater sereno e ritmado, e ele organizava alguns fios do cabelo dela que estavam fora do lugar, tudo estava certo. Não existiam problemas , não existia errado. O mundo era deles e eles viveriam aquela história da maneira como quisessem.
Infelizmente nas melhores histórias de amor o relógio badala, e, repentinamente, chegou a hora dele ir. Ele se levantou e foi até a porta, e ela foi atrás, o vestido branco dançando junto com o corpo. Ele se virou para dizer adeus, olhou fundo nos olhos dela e prometeu que voltaria. Ela o beijou desesperadamente, sabendo que aquele não seria o último beijo, apesar de ser, temporariamente. Seu cabelo fazia cosquinha no pescoço dele, e ela apertava sua nuca com a ânsia de quem vai saltar de um lugar alto. E ficaram ali, se beijando eternamente, até se separarem ao mesmo tempo e ele andar para longe com os cabelos desgrenhados e um sorriso gigante no rosto. Os pés dela deslizaram pelo chão claro, as pedrinhas da sua tornozeleira brilhando na luz tênue que entrava pela janela distante. Seus pés foram pisando cada vez mais de leve, até não tocarem mais o chão, e ela voou. 
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