26 de maio de 2014

Sobre as rosas

Ainda lembro dos seus olhos de sonhos enquanto podava suas rosas. Gotas de suor vez por outra pingavam na grama. Mas isso era na época em que ela ainda cantava, e provavelmente o som da sua voz fazia as rosas acordarem, desabrochando preguiçosas para lhe cumprimentar. 
Era setembro quando gotas salgadas caíram no chá, e ela juntou mais uma na sua coleção de cicatrizes. Todos os dias trazia uma nova rosa para o centro da mesa, mas nenhuma delas lhe trazia mais conforto. As rosas murchavam, secavam, e eram substituídas, e ela só conseguia pensar que era uma rosa colhida também. Gotas diferentes pingavam na grama agora, quando um silêncio ensurdecedor abraçava a roseira. Um oceano de dores diferentes a submergia constantemente, e as lágrimas viraram cristais de gelo assim que saíam de seus olhos. Lentamente planos eram desfeitos, e folhas verdes ficavam marrons. Pétalas rosa-avermelhadas contrastavam com a grama num lindo tapete de coisas mortas, mas não tinha mais importância. 
As rosas abriam, procurando sua voz, e desmanchavam de tristeza ao nada encontrar. Aos poucos foram empalidecendo, o vermelho ardente tornou-se rosa sem graça, e as folhas anêmicas furadas por insetos, tornaram-se amareladas. Todos os dias ela deixava o chá esfriar antes de sequer sorver o primeiro gole. As mãos envolviam a xícara gelada, e o olhar sonhador tornou-se vago, procurando em um tipo de realidade paralela algo que nunca encontravam. Finos fios claros apareceram misturados nos cachos castanhos, e tudo perdia a cor. 
De vez em quando acordava com os sons de pesadelos que não eram seus, e as rosas não tinham mais por que nascer. O viço dos galhos espinhentos esvaía-se a cada dia. E ela colecionava cicatrizes. 
Muito tempo já passou desde que a roseira foi cortada, seus galhos inertes no chão, enrolados em suas próprias folhas pálidas, uma rosa seca aqui e ali. Neste dia, tudo o que lhe era mais caro na vida tombou. Foram-se as flores, restaram os espinhos, dilacerando suas antigas cicatrizes, criando novas. Quem sabe o que houve à roseira depois de ser cortada?
Ela tentou fazer novas mudas, mas todas morriam. De vez em quando soltava uma nota tímida, e por um delicado instante quase podia mesmo voltar a ser a mesma pessoa de antes. Esses instantes, porém, duravam pouco demais, ainda menos que as suas mudas. As lágrimas se misturavam ao suor quando tentava em vão juntar os seus pedaços. Por fim deixou de lado a tarefa inútil de cultivar rosas e agarrou-se à mais simples esperança de que um dia as lágrimas secariam, e secaram. Não sei dizer se algum dia chegou a ser feliz, sei que roseira nunca mais plantou.
Um dia, quando esperávamos o chá ferver, me disse que o mais importante na vida era saber recomeçar. E eu sabia que ela realmente tentava. Mas para mim não fazia sentido viver em mundo que a tratava tão mal. 
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