2 de agosto de 2015

A árvore que dava pipoca

"Na beira de uma estrada distante, um dia, raízes quebraram a casca de uma semente, envolveram a terra com seus bracinhos, cresceram, e cresceram, e deram vida a uma árvore grandiosa. 
E a árvore vivia. Se alimentava, respirava, e por mais que suas folhas todas caíssem e ela parecesse meio doente às vezes, ela sempre voltava a florescer. Novas folhas brotavam, mais verdes do que nunca, e ela renascia. A vida - e a seiva - continuava a fluir dentro da árvore. 
Aquela, porém, era uma árvore diferente de todas as outras. Ao invés de dar frutos, ela dava pipoca. Ao invés de botões, piruás. E quando os piruás estouravam: pipoca. Pipoca caramelada, cor-de-rosa (que eventualmente levava as pessoas a fazerem xixi rosa por três dias), com manteiga, com molho de mostarda, original, e muitas outras pipocas advindas da sabedoria da natureza, que não existiam em nenhum outro lugar a não ser ali, na beira da estrada. 
Quando o outono chegava todas as pipocas caíam, uma a uma, e forravam o chão com tapete colorido e crocante. 
Por um tempo, ninguém soube que aquela árvore existia. E ali ela permaneceu, sozinha; nascia, morria, nascia novamente, sem ninguém para apreciar o milagre que ela era. 
Um dia, então, um garoto meio cabeludo caminhava exatamente por aquela estrada e viu a árvore de pipocas. Havia muitas coisas que ele poderia ter pensado naquele momento, como por exemplo: "o mundo precisa saber sobre essa árvore!". Contar para a humanidade seria justo. Mas ao invés disso, ele continuou voltando secretamente dia após dia para saborear as mais raras e deliciosas pipocas que alguém jamais poderia sonhar. Ele se apaixonou pela árvore, e fez tudo o que pôde para protegê-la. Mas mais do que isso, ele admirou o que aquela árvore peculiar significava, e compreendeu que devia de fato contar para outras pessoas, para que elas também pudessem reconhecer o valor da árvore. 
Ele contou, e muitas pessoas puderam degustar vários tipos diferentes de pipoca, sentar sob a sombra fresca e respirar o ar puro que aquela árvore proporcionava.
O tempo passou, estações passaram, a Terra girou muitas vezes, dia e noite revezaram muitas vezes, até que entre todos esses fenômenos, e árvore desapareceu. Tantas pessoas a conheceram e reconheceram sua magnitude, e ela esteve lá por tanto tempo... Mais tempo do que a vida de muitas dessas pessoas... E essa é a coisa engraçada sobre toda essa história: que a surpresa não era o fato de a árvore não estar mais lá, a coisa curiosa, e bela, e surpreendente, era que um dia ela estivera! Não era estranho que a árvore morresse um dia, porque esse é curso da vida. Era estranho que um dia ela tivesse existido. Esse era o verdadeiro milagre."
- Ok, acabou a história. Agora você pode dormir.
- Qual é! Uma árvore que dava pipocas?
- É! 
- Por quê uma árvore que dava pipocas?
- Porque você gosta de árvores, e você gosta de pipoca... 
- Mas ela morre no final...
- Mas ela dava pipocas! 
- É, tem razão... Isso é uma das melhores coisas que podem acontecer...
E então ela fechou os olhos, pegou no sono, e sonhou com vários fenômenos naturais envolvendo pipoca: chuva de pipoca, mar de pipoca, tempestade de pipoca, anjinho na neve, mas ao invés de neve: pipoca.

18 de julho de 2015

Depois da meia-noite

Aquela era uma noite particularmente escura e úmida, e ele andava pelas ruas da cidade como se estivesse sendo perseguido. Parecia entristecido, mas, mais que tudo, parecia muito solitário.
Seus cabelos caíam sobre o rosto, escondendo os olhos, em parte porque ele andava olhando para os pés. 
Vestia moletom azulado, e uma camiseta com estampa engraçada. Calçava um par de tênis como outro qualquer. 
Em dado momento, começou a olhar repetidamente para o céu, procurando uma estrela, quem sabe. Eram mais de meia-noite.
Ele se sentia tolo, estúpido, assustado, frustrado, iludido. Ele estava desesperado e desorientado. Se sentia um lixo. Ele tinha que dormir, na verdade; era o melhor a se fazer. 
E é por isso que correu de volta para casa, onde quer que ela fosse. Por mais que se sentisse perdido, conseguia se deixar guiar. Pelas estrelas, quem sabe. 
Estava ofegante quando chegou. Mas sobretudo estava cansado. Gotas de suor escorriam por sua testa. 
Quando abriu a porta do quarto, notou que sua cama estava feita. E mais arrumada do que algum dia já estivera. Ela brilhava, como se alguém houvesse jogado purpurina.  
Não percebera que o chuveiro estava ligado até ouvir as gotas pararem de cair. Uma moça enrolada na toalha saiu pela porta do banheiro, com os cabelos dourados pingando. 
- Você chegou! 
Ela correu em direção a ele, pulou no seu colo e o beijou como ninguém nunca o havia beijado antes. Seus braços envolveram o pescoço dele, os cabelos molhados se emaranharam, e no meio daquela mistura de corpos, a toalha escorregou para o chão. 
A mistura de corpos de igual forma escorregou para cima do lençol, e pedaços de estrelas grudaram em seu suor. A purpurina voou, formando uma nuvem em volta deles, enchendo o quarto, a casa, seus pulmões. Purpurina caía do teto e escorria pelas paredes, os inundando, porque aquela garota era capaz de fazer mágica. Ela lhe oferecia algo que ninguém pudera até então: amor. Um amor que ele não tinha que merecer. E que ele não merecia, de fato.
Ele deveria temer que tudo aquilo acabasse, o momento, a magia, mas ao invés disso, mergulhou na luz que emanava dela. Deixou que o corpo úmido dela lavasse sua alma, e levasse embora o medo. E permaneceu em silêncio, por precaução, deixando-se esmagar pelas milhares de estrelas que caíam do céu. 
Ele acorda na manhã seguinte, sozinho em seus lençóis sujos, como costumava ser. Sente frio, pois ainda usa as mesmas roupas molhadas e com cheiro de mofo que usava na noite anterior. Até os tênis está calçando ainda.
Começa a chorar, derrotado, porque tudo não passou de um sonho. Jamais voltaria a vê-la. Mais do que nunca percebe o quanto vive uma vida cheia de adjetivos ruins. E enquanto repensa sua existência escuta um barulho na sala. Ela ainda está aqui. 
Corre para lá no mesmo instante, e, parado bem no meio da sala mais feia do mundo, está um cavalo branco encardido, parcialmente manchado de purpurina, com um chifre torcido saindo do meio dos olhos. 

4 de julho de 2015

A abelha Tarnagusha e o rato Logus

Ter amigos fica cada vez mais difícil nesses tempos de inquietação politica e religiosa, tanto é que uma abelha que já se cansava de seguir a colmeia inteira foi caçar amizade entre os seres livres. Tarnagusha era uma abelha operaria, sempre obedecia ordens, mesmo contra seu consentimento, era a única abelha que tinha raciocínio rápido na colmeia, e como sabia que cresceria para se tornar uma abelha que leva polem, fugiu da colmeia logo em seus primeiros dias de emprego. No lado de fora encontrou um gato facista, que fazia de tudo para não fazer nada. Malvo, o gato, era preguiçoso e gordo, assim que conheceu Tarnagusha lhe propôs serventia, a chamou de rainha e lhe deu mil presentes, pois assim sabia que se a lealdade dela tivesse menos coisas faria. Em pouco tempo Tarnagusha era tão mimada que nem se questionou o motivo, Malvo, o gato, deu se encerrar ali a primeira parte de seu plano, foi ele chegar aos pés de Tarnagusha e chorar. 
- Oh minha adorada rainha, és de vero que é a unica justiça que existe nesse mundo, quem sou eu sem ti, peço a ti que mate o homem que por trás daquele sorriso esconde toda a maldade do ser, come a comida destinada ao nós seres livres, derruba nossa liberdade ao nos prender, mate-o rainha e assim poderá ter seu reino livre como assim o desejas. - Disse o gato lambendo o bigode de leite. 
A abelha que não era boba nem nada , logo notou o golpe do gato, mas, também notou o tamanho dele, imenso e escandalizado, devorador e pavoroso, monstruoso e malvado. A abelha viu que se não matasse o homem logo seria devorada. A pequena Tarnagusha se via em uma enrascada, caiu em uma cilada fascista, como saia agora dessa pequena esperteza do gato comilão? Por enquanto não havia jeito, marcou então o dia de matar o homem, não tardaria, pois seria naquela mesma noite. 
Pela noite o gato roncava como um porco frente a um microfone, e seu sono era tão pesado quando a ele próprio. Era hora de cumprir o plano, foi a abelha em seu voo solene dar uma ferroada no homem. Quando perto do homem chegou viu um ser estranho de dreads no cabelo, olhos baixos e cara de quem ha muito tempo não tomava banho, foi ela trocar palavras com o ser. 
- Viver, nascer e morrer, deitar-se no berço da eternidade, apanhar-se junto das estrelas, enquanto o corpo descansa na terra. E tu criatura minuscula, sabes a tua missão na terra? - Disse rato sujo. 
- Missão, dar continuidade a vida, seguir o fluxo. - A abelhinha respondeu. 
- Então porque fugiu da colmeia? É isso que chama de liberdade? Você é engraçada. - Disse o rato soluçando, provavelmente bêbado. 
- Devo matar o homem, ele é o ideal de prisão disse-me o gato. - a abelhinha enrolava as patas meio desajeitada. 
- O gato. O gato é sóbrio, não se deve escutar os sóbrios, eles pensam demais. - O rato tentou levantar mas caiu. - Me ajuda aqui. 
- Claro. - Disse a abelhinha dando a pata ao rato. - Meu nome é Tarnagusha. 
- O meu é Logus. - Levantou de vez o rato. - Monta aí nas minhas costas, quero te mostrar algo. 
O rato viu que Tarnagusha estava segura então disparou a correr como um louco, passando por tuneis e afastando cada vez mais a abelha do gato e do homem. O rato saiu dos túneis e foi parar na cidade, continuou ainda a correr, começou então a mostrar os lugares e lhe dizendo os nomes, chegou na área rural e muitas árvores e animais começaram a aparecer. A caminhada ainda continuava, frenética como o rato propôs, chegou às praias e logo ao mar, ficaram por horas observando o sol raiar ali. A abelha então parou pra pensar. 
- Agora o que quer? Porque me trouxe até aqui? - Perguntou a pequenina. 
- Ora bolas, não é claro? Queria que você pudesse ver o quanto o sol é livre, belo e imponente, o quanto a cidade presa e domada e mesmo assim dizem que somos livres, essa minha liberdade, correr a frente do sol. - Disse o rato com sua voz pacífica e duradoura. 
- Oh -  espantou-se - Que belo é, percebo agora o que quis dizer sobre... - O rato interrompeu a pequena. 
- Eu não disse, você é quem acha que eu disse. - O rato se sacudiu e a abelha voou, ele deitou com as costas para baixo e fechou os olhos. - Deite-se, não são todos que tem essa oportunidade. 
- Ah, sim claro. - A abelha deitou-se e descansou por horas. Sonhou com pôneis e mashmallows, sonhou que voava sobre as nuvens e que elas eram doces.

15 de junho de 2015

Conversa sobre Livros: A Menina Submersa


A menina submersa, de Caitlín R. Kiernan, e publicado pela editora Dark Side (que está se tornando uma das minhas favoritas) é um livro marcante porque nos faz pensar sobre quantas pequenas histórias (e fantasmas) nos compõe. A partir das memórias de Imp, a protagonista, sobre o quadro do Saltonstall, as sereias, e a relação das duas coisas com quem ela é hoje, eu pude pensar as minhas próprias histórias. As pequenas coisas que me aconteceram e que me fizeram ser quem sou.
E não apenas isso, mas quantos paralelos a autora faz no livro, que nos permitem traçar a partir disso os nossos próprios paralelos...
Não digo que esse seja um livro ruim, apesar de não ser um dos melhores que eu já li. O livro todo é uma viagem interessante pelos vários recortes de cenas e fatos sobre a vida de muitas pessoas que no final se costuram e formam uma grande colcha que faz todo sentido. 
Mas o que é o livro além disso? Além de um amontoado de referências de várias outras obras? 
Para provar meu argumento, no final do livro tem duas páginas inteiras onde a autora lista obras que citou. E ela cita tudo. Autores, compositores, cantores, pintores, e qualquer tipo de pessoa que possa de alguma forma ter-lhe influenciado a escrever essa história.
Esse é um dos pontos negativos do livro para mim. Não podemos culpar a autora por ter referências - todos temos -, mas, quando essas referências são despidas, o que sobra? 
Acredito que para ter uma experiência mais interessante com o livro, vale ler Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues, que você encontra para baixar aqui, e que inclusive eu considero um livro (na verdade é um texto para teatro) muito melhor, por alguns motivos. 
Acho que a autora de A menina submersa monta um cenário que não condiz com o que será apresentado. Ela nos vende uma história que não irá contar (ainda mais se você tiver lido a sinopse). Acho que autora chega pretensiosa, e sai sem cumprir o que prometeu. Se tirarmos todas as referências, o que vai sobrar da história é uma garota louca, e nada mais. E aí vale questionar o que é ser louco. 
Em Senhora dos Afogados, temos o contrário. Nelson chega sem pretensão nenhuma, e da primeira vez que você lê o texto, ele nem parece ser assim tão bom. Mas cada vez que você relê você encontra uma nova metáfora escondida. 
A relação entre Moema e o mar. Entre Moema e o mito das sereias. Entre Moema e a prostituta morta... 
Acho que a autora de A menina submersa entrega demais o jogo, mesmo dizendo que não vai entregar, e protela demais, mesmo dizendo o tempo todo que não pode protelar, enquanto que o Nelson deixa para o leitor os mistérios do texto. 
Aquela história aconteceu de verdade, ou é tudo um sonho? Nelson não diz em nenhum momento que aquilo pode ser um sonho (enquanto que Caitlín diz isso o tempo todo), mas você mesmo começa a se indagar a respeito. Nelson não escreve lindos e confusos versos, mas suas palavras grossas dizem muito mais nas entrelinhas do que as palavras de Caitlín poderiam. 
Ao mesmo tempo, as duas histórias se complementam de um jeito incomum. Vejo muito mais terror em Senhora dos Afogados, onde Moema direta ou indiretamente mata toda a sua família do que em A Menina Submersa, onde nada acontece, de fato, fora da mente de Imp. 
Mas sim, apesar de tudo, eu recomendo o livro. E por favor, compre a edição limitada que tem a capa toda linda, porque vai dar uma outra cara pro livro. 
E sim, eu estou pedindo que vocês julguem o livro pela capa, porque muitas vezes é a capa quem demonstra o cuidado do autor com sua obra. 
Senhora dos Afogados pode ler muitas vezes, porque além de maravilhoso e muito importante é um livro cheio de significados e brasileiro!   
Por favor, leiam os dois livros e venham aqui comentar comigo o que acharam! 

10 de junho de 2015

Naummy e Kienzie

Aquela juba dourada solta no vento, brilhando sob os raios tênues do sol, já dizia que aquele leão era um aventureiro nato. Por onde passava deixava um rastro de coragem e disposição. Kienzie não tinha medo de nada. Nunca tivera. Um dia, decidiu saltar de paraquedas, pois esse era o único item da "lista de aventuras" que ainda não estava riscado. Kienzie gostava de sentir o sopro do ar em seus cabelos cheios de cachinhos quando corria bem rápido, e de ver todo o verde que cercava sua casa. Imagine então como poderia ser voar! Kienzie queria experimentar a sensação, queria se sentir parte do azul do céu. 
Quando estava lá no alto, bem no alto mesmo, flutuando no vento, apreciando a paisagem e se divertindo bastante, avistou um pontinho avermelhado correndo no campo em direção à montanha. 
- O que pode ser aquilo? - Kienzie pensou. E conforme foi se aproximando do chão, conseguiu ver o que era: uma raposa. 
Do outro lado da selva, na montanha, vivia uma doce raposa chamada Naummy. Era muito conhecida por sua astúcia, seu bom-humor, e pelo seu jeito manso de ser. As coisas de que ela mais gostava eram: ver a lua, ver as estrelas, ver as árvores dançando, o inverno, chocolate, sopa de repolho, frutas orgânicas, e a caverna onde morava. Naummy saía sempre para longos passeios onde via muitos lugares bonitos e pessoas boas, mas sempre, sempre voltava para casa no fim de cada dia, porque amava seu lar. 
Naummy, ao contrário de Kienzie, tinha medo de uma porção de coisas. Medo de altura. Medo de ficar de cabeça para baixo. Medo de cair. Medo de ralar o joelho... Medos que todo mundo - exceto Kienzie - tem. 
Naummy voltava para casa um dia quando ouviu um barulho lá em cima, no céu. 
- Um pássaro? - ela se perguntou. Mas quando olhou, viu que não podia ser um pássaro. - Eu nunca vi um pássaro desse tamanho! Meu Deus, ele brilha tanto! É capaz até de cegar... 
Naummy ficou ali por mais um tempo para averiguar a situação. Então Kienzie foi perdendo altura, e cada vez mais, até tocar o chão. 
- O que é você? - Naummy perguntou.
- Um leão. 
- Mas leões não voam... 
- Mas eu sim. Sou um leão voador. 
- E por acaso o senhor leão voador gostaria de tomar um chá?
E desse dia em diante os dois se tornaram melhores amigos. Kienzie ensinou Naummy e fazer estrelinha na grama, e Naummy ensinou Kienzie sobre as estrelas que ficam lá no céu. Os dois passavam tardes inteiras observando o mundo e observando um ao outro. Naummy contou para Kienzie que seu sonho era ter um jardim, e então, o leão destemido e a doce raposa saíram em busca de sementes de flores de várias partes do mundo, e juntos plantaram um enorme jardim. 
Se algum dia você passar pelo jardim de Kienzie e Naummy, eis o que verá: flores de todas as cores, tamanhos e formatos. Um mar verde com pinguinhos multicoloridos. E lá no meio de toda aquela grama, dois reflexos: um brilhando dourado, e o outro amarelo-avermelhado, brincando, rindo e contando histórias das aventuras que viveram juntos...  

6 de junho de 2015

O Castelo de Diamantes

Há muitos anos atrás, em algum lugar distante, havia uma espécie de acordo entre reis que dizia que um rei rico deveria casar sua filha com o filho de um rei ainda mais rico, mesmo que os dois nem sequer se conhecessem, de forma que a riqueza daquela família nunca acabasse. 
Então um rei muito rico prometeu sua filha em casamento ao filho de um outro rei ainda mais rico, quando ela ainda era apenas uma criança. 
A princesa e o príncipe cresceram prometidos, e quando chegaram a uma certa idade, foi realizado o casamento. A princesa entrou na cerimônia de véu no rosto, de forma que ninguém no reino - e nem mesmo o noivo - a viu. 
Na noite de núpcias, porém, o véu foi levantado, e o noivo viu sua esposa pela primeira vez. E se apaixonou por ela naquele exato instante. A princesa era a mulher mais linda que ele já vira em toda a vida, e provavelmente a mulher mais linda do mundo todo, e enquanto consumavam o casamento, ele lhe prometeu que sempre faria absolutamente tudo que ela pedisse. O encantamento dele pela princesa não foi momentâneo, como é de se esperar, mas aumentava a cada dia, até que se transformou no mais forte e puro amor. 
A princesa, por sua vez, era amarga, e não retribuía os sentimentos do marido. Só nutria amor por si mesma, pois sabia que era perfeição delineada em traços de mulher. Passava dias penteando seus longos cabelos, embelezando-se, e se observando diante de qualquer coisa que refletisse sua imagem. 
Um dia, vaidosa que era, exigiu que o marido lhe construísse um castelo de diamantes para se ver por toda parte, e para que qualquer um que por ali passasse pudesse também admirá-la. 
O rei atendeu prontamente o seu pedido. Saiu aos quatro cantos do mundo procurando os maiores e mais raros diamantes só para ela. 
Depois de muito tempo de jornada regressou com toneladas de diamantes e homens, e iniciou-se a construção. O próprio rei trabalhava dia e noite com afinco para dar a sua amada o que ela desejava. 
O castelo ficou pronto, e a mulher mais feliz do que jamais antes. Sorria um sorriso de marfim o tempo todo, e coloria as paredes do castelo com sua alegria. Dançava, rodopiava extasiada, e exibia em cada canto ora cirandas de texturas de tecidos que abraçavam sua pele sedosa, ora as lindas formas de seu corpo nu. O castelo transformou-se em caleidoscópio. 
Muitas pessoas souberam do valioso castelo e da mulher formosa que morava lá; invasores vieram de muitos lugares, e o rei teve de lutar para defender suas terras e sua esposa. Uma dessas lutas durou meses, meses em que o rei apenas lutava sem cessar, sem poder admirar a beleza da sua mulher. E a saudade lhe enfraqueceu de tal forma, que ele teve de voltar para casa para vê-la. 
Quando chegou, já de longe viu que algo estava errado. O castelo de diamante se quebrara, e por mais que ele procurasse, não conseguia achar a rainha. Ele gritou por ela por muitas horas, até que o sol fosse embora e a as estrelas surgissem, mas não a encontrou. O rei desesperado entrou no meio das ruínas de diamantes para procurá-la. Cada passo era uma dor sem fim. Não porque fosse cortado pelos cacos de diamante, mas porque não conseguia encontrar o seu amor. As pedras cristalinas se pintaram de vermelho, mas a rainha não apareceu. 
O rei procurou por ela todos os dias sem parar por muitos anos. Mais anos do que muitas pessoas vivem, sem obter nenhum resultado. A pele do rei se transformou em trapo, em um mapa de cicatrizes de insucesso. O próprio rei não passava agora de um boneco retalhado, e o lindo caleidoscópio que era fruto do seu amor, transformou-se em escombros de rubi. 
Depois de muita procura, um dia o rei avistou um tufo de cabelo. Correndo, arrancou milhares de lascas de diamante até encontrar o esqueleto de aparência desfigurada da sua amada esposa. O rei a abraçou, e chorou em seus cabelos mortos por tempo infinito. 
Juntou pedaços de diamantes tingidos por seu sangue e construiu para ela uma cripta. Depois, pôs-se a reconstruir o castelo, pedra por pedra. Demorou mais do que duas pessoas juntas poderiam viver, mais tempo do que algum ser humano jamais houvesse vivido, até transformar o castelo de diamantes em lar de repouso para a mais bela das rainhas, até transformar os restos de diamantes em prisão eterna para ele, que permaneceu ali ao lado dos ossos de sua mulher até o fim da vida. 

1 de junho de 2015

Algumas Considerações sobre Contos de Órion e Ariel

Existem algumas histórias sobre essa galáxia que vocês talvez não saibam. 
Por acaso vocês sabem como é que tudo começou? Ok, devo admitir que essa é uma pergunta muito complicada. Vamos então começar por algo mais simples. Vocês já ouviram falar sobre ciclo? Ciclo é algo que reinicia após acabar. Que volta para o início quando chega ao fim, de modo que muitas vezes não se pode mais identificar qual é o começo e qual é o fim. Bem, essa é minha definição, pelo menos. O dicionário diz que ciclo é "uma série de fenômenos que sucedem numa ordem determinada". 
Assim são os deuses e guardiões dessa galáxia, se vocês ainda não os conhecem. São sucessões de pessoas que governam umas às outras num ciclo infinito, de modo que o último dos deuses cria o primeiro, e assim essa hierarquia nunca tem fim. O deus que governa os guardiões da Via-Láctea é Ison, caso vocês ainda não tenham ouvido falar sobre ele. 
Depois dessa breve explicação sobre os deuses e os ciclos, é preciso falar também sobre o equilíbrio, que segundo o dicionário quer dizer "estado do sistema cujas forças que sobre ele agem se contrabalançam e se anulam mutuamente".
Acredito que nenhum de vocês nunca teve problemas em imaginar que as coisas têm um oposto por uma razão: preto e branco, frio e calor, sim e não, bem e mal, doce ou salgado, entre milhares de outros exemplos. Tudo se opõe a algo para manter isso que chamamos de equilíbrio.
E é com essa ideia em mente que vamos começar a história talvez mais fantástica e curiosa sobre a Via-Láctea. 
Ison, o deus dessa galáxia, pediu a Califar que enchesse a galáxia de construções. Califar para atender ao pedido de Ison então criou quatro guardiões (um para cada braço da galáxia) para que eles construíssem e criassem em seu lugar. Para cada guardião foi dada uma espécie de cordão com uma pedra em branco, que era o limite de tudo que eles poderiam criar. A cada nova criação, o cordão ganhava uma nova coloração, e quando ele chegasse à cor preta, nada mais poderia ser criado. Os quatro guardiões em conjunto criaram basicamente tudo o que conhecemos, inclusive dois planetas chamados Terra e Genova. 
Ison voltou depois de um tempo (que não sabemos determinar, pois o tempo dos deuses e guardiões é diferente do nosso), e viu que Califar criaria quatro guardiões para criar por ele. Ison ficou feliz porque a criação de Califar era capaz de criar, mas ficou aborrecido porque Califar não fez o que ele lhe havia pedido, deixando a tarefa que lhe fora incumbida para seus guardiões. 
Ison não puniu Califar, nem nada do tipo, mas Califar se sentiu tão mal por não ter agradado a Ison que decidiu criar algo melhor do que tudo o que havia criado até então. 
Califar criou a Vida. E a vida viveu. E deu-se à Vida o nome de Órion. Órion era muito, muito especial. Era mais do que um guardião. Era um deus. 
Califar levou Órion até Ison, que ficou extremamente impressionado. Mas coisas ruins começaram a acontecer, porque a vida fazia tudo viver, e as coisas começaram a fugir ao controle. 
Foi então que Califar, baseado naquele conceito de equilíbrio de que falamos anteriormente, criou a Morte. E, tendo criado a morte, Califar morreu. E os guardiões chamaram a Morte de Ariel. 
Órion e Ariel, a vida e a morte, criaram juntos o amor, se apaixonaram; e foi graças a esse amor que toda a galáxia se equilibrou. 

30 de maio de 2015

A princesa que se apaixonou por um bobo da corte

Você consegue ver aquele monte? É, aquele, o monte mais alto... No topo daquele monte existe um castelo. Eu costumava visitá-lo frequentemente, mas agora já faz algum tempo que não vou até lá. A última vez em que fui, era coroação da princesinha como rainha. Dá pra acreditar? Lembro dela deste tamaninho!
Esta rainha de que falo é a pessoa mais doce que eu jamais conheci. Uma moça loura e corajosa que desde pequena caça amor e poesia... A rainha mais justa que o reino já viu, isso eu lhe garanto. Não só é boa com as pessoas, como também trata com carinho os animais e respeita muito a natureza. Nunca sujou de sangue as mãos. Nunca agiu movida pela raiva, era sempre paciente e benevolente para com todos. 
Acontece que quando era ainda criança, seu pai trouxe das províncias do norte um garoto, meio mirradinho, mas bastante engraçado, para ser bobo da corte. Era pequeno e só servia mesmo de bobo da corte, mas a princesinha só ria com ele! Ficou encantada! Seguia o garoto por toda parte pedindo histórias e cantando para ele. Os dois brincavam juntos o tempo todo. 
O pai da menina não estava gostando nada dessa amizade, com medo de que um dia se transformasse em amor, que foi exatamente o que aconteceu. Já é de se imaginar que nem o melhor dos reis quer um bobo da corte para genro! 
O bobo e a princesa cresceram juntos, brincando nos jardins reais, inventando histórias e músicas, fazendo garatujas por todo o castelo. Não foi preciso muito tempo para que a amizade infantil se transformasse em amor. E o rei, prevendo as coisas ruins que poderiam acontecer, proibiu a menina de desaparecer pelos bosques com o bobo como antes fazia diariamente. 
A mudança na princesa foi visível: já não falava mais e nem cantava. Ninguém via seu sorriso luminoso. O rei muito se entristecia com o dissabor da filha, mas achava que aquilo era passageiro, e que logo ela entenderia que a distância era o melhor para todos.
Até que a princesa desapareceu. Simplesmente desapareceu. Não só ela, como também o bobo. Os soldados foram convocados para procurá-la incessantemente. Todo o reino entrou em profunda tristeza e busca. Mas não precisa ser muito inteligente para entender que ela e o tal bobo tinham fugido juntos. O rei se arrependeu muito da proibição, e jurou que quando encontrasse a filha a deixaria ficar com quem quisesse. 
Na floresta, a lua sorria no céu. A princesa e o bobo de mãos dadas caminhavam, contando histórias engraçadas e rindo sem parar. Nesse dia o bobo tocava melodias em uma gaita para preencher o silêncio da noite. "Ninguém nunca vai nos encontrar!", dizia a menina. Acontece que a gente não pode fazer assim tanto barulho quando está na floresta! Não demorou muito e os lobos apareceram para ver quem é que estava perturbando o seu silêncio. Dois grandes lobos cercaram o casal. Quase tão grandes como dois cavalos, é verdade. Há quem diga que eram lobisomens, mas acho que isso é conversa do povo. Eram só lobos grandes, mesmo. 
De qualquer forma, os lobos cercaram o casal. Rosnavam e babavam, preparados para jantar os dois. Tenho para mim que naquele momento o bobo entendeu que não havia um jeito de escapar dali. Os dois não teriam nem chance contra dois lobos daquele tamanho. 
"Escuta, tá vendo aquela árvore ali? Você precisa subir nela. O mais rápido que puder", disse o bobo. 
"Mas e você?", a voz da menina mostrava o quanto estava assustada e aflita. 
"Eu vou logo atrás. Mas não temos muito tempo. Você corre primeiro, corre bem rápido, tá bom? O mais rápido que puder, mais que um raio!". 
A menina concordou com um aceno de cabeça e os dois trocaram um breve olhar. Então a menina correu. Correu o mais rápido que pode. O mais rápido que suas pernas permitiram. Mais rápido do que jamais havia corrido, nem mesmo quando os dois apostavam. Subiu na árvore em um segundo, e o bobo logo atrás dela. Mas em fração de segundos os lobos o alcançaram. Um deles grudou os dentes em seu tornozelo, impedindo-o de subir na árvore também. 
A menina gritava desvairada por ajuda, e naquele momento tudo que queria era que alguém viesse em seu socorro. "Por favor, por favor, por favor! Eu juro que nunca mais desobedeço ao meu pai! Juro que o esqueço, mas por favor, precisamos viver!". 
O lobo devorava a perna do bobo, e o outro veio se juntar à refeição. O bobo gritava de desespero, pois sabia que iria morrer. Então, já com essa consciência, começou a gritar todas as palavras bonitas que conhecia e todas as histórias de amor mais belas que jamais ouvira. Naquele instante inventou para ela canções e poesias, versos, desenhos, mapas, personagens e mundos inteiros. A garota via de cima da árvore o bobo ser devorado e nada podia fazer senão chorar e guardar no coração tudo o que ele lhe dizia. E o bobo sorria, sorria, um sorriso macabro e ensaguentado, mas que lembrava a ela todas as vezes que ele lhe sorrira. 
A guarda real que rondava a floresta à procura da princesa ouviu seus gritos desesperados e correu em seu socorro. Quando chegaram, encontraram a princesa encolhida em cima da árvore e a poça de sangue no chão onde os lobos haviam devorado seu amado. Os guardas resgataram a princesa e a levaram de volta para o castelo. 
Por muitos anos ela não disse palavra. Não levantou da cama. Nada fez. Mas passados esses anos, em um dia, ela se levantou, pediu para cortarem seu cabelo que agora estava na altura dos joelhos, e foi para fora. Pelos anos seguintes, comeu bem e treinou bastante, voltou a ficar forte, e recentemente se tornou rainha. Nunca se casou. Quando lhe perguntam sobre o amor, ela diz: "o meu grande amor já não existe mais em carne... Mas a visita dele nunca falha! Vem todos os dias me dar boa noite..." 

29 de maio de 2015

Se um dia eu tiver uma casa

Se um dia eu tiver uma casa, 
Vamos misturar os nossos livros 
Vamos espalhar aquarelas por toda parte, 
Vamos pregar estrelas em todo e qualquer lugar alto.

Se um dia eu tiver uma casa, 
Vamos ter um lugar só para ler;
Vamos comprar montes de livros legais 
Vamos inventar poemas um para o outro.

Vamos sujar a cozinha de farinha e chocolate,
Vamos escutar Dragon Force,
Vamos escutar Hawk Nelson,
Vamos ter um jardim.

Se um dia eu tiver uma casa, 
Vamos fazer murais em todos os cômodos,
Vamos separar um lugar bem legal para O Vestido,
Vamos ter uma prateleira de chaleiras coloridas.

Vamos ter um monte de chás legais;
E mel;
E limão;
E chás com versículos também...

Vamos ter toalhas "ele" e "ela",
Vamos dançar salsa na sala,
Mesmo que nenhum de nós saiba dançar salsa...
Vamos pintar uma parede de dourado 
Vestindo macacões jeans
E nos sujar de dourado

Vamos nos sentar no chão
Em pleno pôr-do-sol
Abraçados
E vamos admirar a parede vazia.

Vamos ter montes de jogos de tabuleiro,
E um tecido acrobático
Para nos pendurar que nem macacos
Sem droga de motivo algum.

Se um dia eu tiver uma casa, 
Vamos criar borboletas, 
Mesmo que elas só vivam por um dia
É o que dizem, pelo menos...

Vamos tocar violão, 
E usar meias listradas de colorido 
Meias que têm dedos 
E suspensórios para você.

Vamos comprar um fusca, 
E sair para conhecer o mar;
Vamos escolher uma noite para fugir para Vegas, 
E vamos conseguir a benção do Elvis Presley.

Vamos ter uma casa na árvore, 
E fazer cookies todo sábado de manhã;
Vamos rir até doer a barriga,
E fazer uma cabana de edredom
Bem no meio da sala
E assar marshmallows...

Vamos ser mil vezes mais pirados
E trinta mais bagunceiros 
Do que qualquer criança do mundo 
Do que os filhos que teremos...

24 de maio de 2015

Conversa Sobre Livros: Edição Especial de Circo

Olá, amigos! Não é segredo pra ninguém que nós amamos circo, e é por isso que vamos inaugurar a coluna "Conversa Sobre Livros" com uma edição especial falando sobre o tema *-* 
Mas antes de começarmos, peço que vocês leiam a apresentação da dinâmica da coluna em "Como Isso Funciona", logo abaixo do cabeçalho do blog; lá nós falamos sobre o objetivo principal da coluna, seu funcionamento, e tal e coisa :) 
Nós vivemos procurando por livros sobre circo, e até hoje encontramos quatro sobre os quais falaremos hoje. 


4. Água Para Elefantes


Com certeza o mais literal de todos. Porque quando se pensa em circo o mágico e o lúdico sempre vêm junto. Mas não neste livro. Primeiramente porque o circo de Água Para Elefantes era um lugar para quem não tinha um outro lugar. Um livro que nos ajuda a enxergar para além do fantástico do espetáculo: para a vida dura de trabalho no circo, a falta de dinheiro e uma vida entregue a Deus-dará. O que eu mais gosto nesse livro não é o romance entre Jacob Jakonwski e Marlena, eu gosto mesmo é da elefante! 

Na verdade, eu considero Água Para Elefantes como uma versão alternativa para a história de Topsy, a elefante de circo que comia cigarros acesos e que foi eletrocultada por Thomas Edison em 1903 originando seu filme Eletrocultando um Elefante; no livro, a elefante se comporta mal porque não entende o idioma em que está sendo treinada, o que poderia ser uma explicação da autora para o mal comportamento de Topsy na vida real... 


3. O Circo do Doutor Lao (As Sete Faces do Doutor Lao)


Um pulo da literalidade para a fantasia total! O Circo do Doutor Lao (também chamado As Sete Faces do Doutor Lao em algumas versões) traz seres fantásticos capturados na China (pelo Doutor Lao), dentre eles uma esfinge, um fauno, um unicórnio, uma medusa, um contemporâneo de Jesus Cristo, uma sereia, bruxas, demônios, cobras, um asno de ouro e muitas, muitas outras! No fim do livro há um guia de 21 páginas citando e descrevendo todos os personagens. E, confesso, nunca vi tantos personagens em um livro de 155 páginas! É uma leitura rápida e muito gostosa que nos apresenta em uma linguagem extremamente irônica e poética o universo desses seres: como vivem, como se sentem, em que pensam... Gosto particularmente do diálogo entre o repórter e a cobra, na página 114. Não vou reproduzir o diálogo por ser muito extenso, mas o livro como um todo é uma viagem com caráter onírico repleta de figuras mitológicas que contrastam com as pessoas pacatas e comuns da cidade de Abalone. 



2. O Circo Mecânico Tresaulti


Há algumas razões para que eu goste particularmente desse livro. Uma delas, é que ele passeia pelo ponto de vista de quem trabalha no circo e de quem assiste o espetáculo. Há um indício narrativo que prova isso: cada hora o livro é narrado em uma pessoa diferente. Alguns capítulos são narrados em primeira pessoa, outros em segunda, e outros ainda em terceira pessoa, de forma que podemos por um instante ser artista, espectador, e narrador. Podemos compreender a realidade do circo sob todos os pontos de vista possíveis e imagináveis! Em segundo lugar, há beleza na tragédia. Apesar dos personagens serem próximos de zumbis, mortos-vivos, ou coisa do gênero, a autora tem uma forma encantadora de falar sobre eles. E em terceiro lugar a abordagem do amor. Podemos reconhecer ali várias formas de amor... O circo é uma família! Toda família tem desentendimentos, toda família tem momentos ruins, mas o que caracteriza uma família é justamente essa união que não pode ser desfeita mesmo em meio às adversidades! E depois tem o amor de Stenos e Bird, que é um amor-ódio, que anda pelas duas coisas... Os dois se estranham, se esganam, se machucam, mas quando Bird quase morre (e isso acontece duas vezes) é Stenos quem está lá para socorrê-la custe o que custar! 

O livro é como um grande conto em que o pré-requisito para qualquer leitor é saber ler as entrelinhas...


1. O Circo da Noite




Um livro mágico. Simplesmente mágico. O meu favorito de todos os que falamos hoje. Não foi considerado uma grande aposta pela crítica por não ser um desses romances água com açúcar chatos que estão bombando hoje em dia. Ao contrário, os personagens principais quase não se encontram. E é essa a mágica... A demonstração de amor sutil dos dois, a densidade dos ambientes retratados no livro, a visualidade que a autora nos permite imaginar, que se tornou uma grande referência para mim, e o mistério. A espera. É justamente a lentidão e a incoerência da narrativa (os capítulos não estão organizados em ordem cronológica) que mais me encantam. 

E também tem a questão do elo. Há uma parte em que Marco fala sobre o elo que lhe une à Celia; quando li, eu nem considerei uma parte tão importante assim, porque de fato não existem frases de efeito e cenas impactantes no livro, mas depois de um certo tempo eu ponderei sobre a complexidade do que ele queria dizer... Celia e Marco foram unidos por uma mágica (um elo) quando eram crianças e foram treinados a vida toda por antigos mágicos rivais para se enfrentaram até a morte de um deles que ocasionaria a vitória do outro (importante lembrar que até mais ou menos a metade do livro eles nem sabiam contra quem estavam competindo). 
A beleza está no fato de que o amor deles nasce da rivalidade, e no fato de que a linha entre amor e ódio é muito tênue, e talvez até inexistente... Acho muito bonito um elo para a morte se converter em um elo de amor...

23 de maio de 2015

O Poeta e a Poesia

Se algum dia te disserem que não se pode viver de amor, duvide. 
Uma vez, em um tempo perdido que poderia ser tanto passado quanto futuro, existiu um garoto. Esse garoto tinha uma bicicleta. Existia também nesse mesmo tempo uma garota - tão fresca quanto a brisa da manhã, e tão bonita quanto um raio de sol - por quem ele era apaixonado. Os dois eram jovens e deles era o mundo. 
Saíram de bicicleta para procurar o mar que nunca tinham visto. A garota disse "tenho um presente para você!"; ela vestia nesse dia um lindo vestido branco. Não um vestido branco qualquer, mas O Vestido Branco. O Vestido Branco mais bonito que alguém poderia ver. Perfeitamente ajustado nas curvas de seu corpo. Leve como uma pétala de flor flutuando ao vento. 
O garoto olhava para ela e só conseguia pensar que ela tinha cara de poesia. 
Como nenhum dos dois houvesse visto o mar, quando chegaram ficaram vários minutos olhando, ela com a cabeça encostada no ombro dele chorando e ele sentindo as cócegas que o cabelo dela fazia e pensando que aquele poderia ser o momento mais sereno de todos os tempos. 
Depois de ver o pôr-do-sol, se esconderam em uma caverna próxima onde ela lhe entregaria o presente. A menina tirou não sei de onde uma caixinha e entregou a ele: "é um presente do meu avô, que ganhou do avô dele; mas nenhum de nós nunca usou, só pode ser usado por alguém muito especial e eu tenho certeza de que esse alguém é você!". 
O garoto abriu a caixa e encontrou uma caneta. Por alguma razão que o garoto desconhecia e nem eu hoje sei, naquele momento ele soube exatamente o que fazer. Começou a rabiscar o vestido da garota. Rabiscou, rabiscou, rabiscou. Se sujou de tinta e sujou também sua amada. Fez com o que seu vestido branco ganhasse vida enchendo-o de lindos desenhos do mar e do mundo... 
A garota olhou para ele e a única coisa em que conseguiu pensar era que ele era o poeta que a compunha. 
Os desenhos do vestido dela criaram vida. Lindas borboletas saíram voando, flores de todas as cores pularam de seu vestido formando um grande jardim dentro da caverna. Do vestido saíram animais, amantes, luas e sóis e toda espécie de coisas feias, belas, raras e comuns. Por fim do vestido saiu o mar. Ondas, conchas e corais. Peixes, surfistas, cachalotes e até o horizonte. O garoto se misturou ao azul do mar e garota ao branco da espuma do mar quando toca a areia da praia. Ambos se misturaram e se embolaram até que já não houvesse como saber mais quem era quem. 
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