30 de maio de 2015

A princesa que se apaixonou por um bobo da corte

Você consegue ver aquele monte? É, aquele, o monte mais alto... No topo daquele monte existe um castelo. Eu costumava visitá-lo frequentemente, mas agora já faz algum tempo que não vou até lá. A última vez em que fui, era coroação da princesinha como rainha. Dá pra acreditar? Lembro dela deste tamaninho!
Esta rainha de que falo é a pessoa mais doce que eu jamais conheci. Uma moça loura e corajosa que desde pequena caça amor e poesia... A rainha mais justa que o reino já viu, isso eu lhe garanto. Não só é boa com as pessoas, como também trata com carinho os animais e respeita muito a natureza. Nunca sujou de sangue as mãos. Nunca agiu movida pela raiva, era sempre paciente e benevolente para com todos. 
Acontece que quando era ainda criança, seu pai trouxe das províncias do norte um garoto, meio mirradinho, mas bastante engraçado, para ser bobo da corte. Era pequeno e só servia mesmo de bobo da corte, mas a princesinha só ria com ele! Ficou encantada! Seguia o garoto por toda parte pedindo histórias e cantando para ele. Os dois brincavam juntos o tempo todo. 
O pai da menina não estava gostando nada dessa amizade, com medo de que um dia se transformasse em amor, que foi exatamente o que aconteceu. Já é de se imaginar que nem o melhor dos reis quer um bobo da corte para genro! 
O bobo e a princesa cresceram juntos, brincando nos jardins reais, inventando histórias e músicas, fazendo garatujas por todo o castelo. Não foi preciso muito tempo para que a amizade infantil se transformasse em amor. E o rei, prevendo as coisas ruins que poderiam acontecer, proibiu a menina de desaparecer pelos bosques com o bobo como antes fazia diariamente. 
A mudança na princesa foi visível: já não falava mais e nem cantava. Ninguém via seu sorriso luminoso. O rei muito se entristecia com o dissabor da filha, mas achava que aquilo era passageiro, e que logo ela entenderia que a distância era o melhor para todos.
Até que a princesa desapareceu. Simplesmente desapareceu. Não só ela, como também o bobo. Os soldados foram convocados para procurá-la incessantemente. Todo o reino entrou em profunda tristeza e busca. Mas não precisa ser muito inteligente para entender que ela e o tal bobo tinham fugido juntos. O rei se arrependeu muito da proibição, e jurou que quando encontrasse a filha a deixaria ficar com quem quisesse. 
Na floresta, a lua sorria no céu. A princesa e o bobo de mãos dadas caminhavam, contando histórias engraçadas e rindo sem parar. Nesse dia o bobo tocava melodias em uma gaita para preencher o silêncio da noite. "Ninguém nunca vai nos encontrar!", dizia a menina. Acontece que a gente não pode fazer assim tanto barulho quando está na floresta! Não demorou muito e os lobos apareceram para ver quem é que estava perturbando o seu silêncio. Dois grandes lobos cercaram o casal. Quase tão grandes como dois cavalos, é verdade. Há quem diga que eram lobisomens, mas acho que isso é conversa do povo. Eram só lobos grandes, mesmo. 
De qualquer forma, os lobos cercaram o casal. Rosnavam e babavam, preparados para jantar os dois. Tenho para mim que naquele momento o bobo entendeu que não havia um jeito de escapar dali. Os dois não teriam nem chance contra dois lobos daquele tamanho. 
"Escuta, tá vendo aquela árvore ali? Você precisa subir nela. O mais rápido que puder", disse o bobo. 
"Mas e você?", a voz da menina mostrava o quanto estava assustada e aflita. 
"Eu vou logo atrás. Mas não temos muito tempo. Você corre primeiro, corre bem rápido, tá bom? O mais rápido que puder, mais que um raio!". 
A menina concordou com um aceno de cabeça e os dois trocaram um breve olhar. Então a menina correu. Correu o mais rápido que pode. O mais rápido que suas pernas permitiram. Mais rápido do que jamais havia corrido, nem mesmo quando os dois apostavam. Subiu na árvore em um segundo, e o bobo logo atrás dela. Mas em fração de segundos os lobos o alcançaram. Um deles grudou os dentes em seu tornozelo, impedindo-o de subir na árvore também. 
A menina gritava desvairada por ajuda, e naquele momento tudo que queria era que alguém viesse em seu socorro. "Por favor, por favor, por favor! Eu juro que nunca mais desobedeço ao meu pai! Juro que o esqueço, mas por favor, precisamos viver!". 
O lobo devorava a perna do bobo, e o outro veio se juntar à refeição. O bobo gritava de desespero, pois sabia que iria morrer. Então, já com essa consciência, começou a gritar todas as palavras bonitas que conhecia e todas as histórias de amor mais belas que jamais ouvira. Naquele instante inventou para ela canções e poesias, versos, desenhos, mapas, personagens e mundos inteiros. A garota via de cima da árvore o bobo ser devorado e nada podia fazer senão chorar e guardar no coração tudo o que ele lhe dizia. E o bobo sorria, sorria, um sorriso macabro e ensaguentado, mas que lembrava a ela todas as vezes que ele lhe sorrira. 
A guarda real que rondava a floresta à procura da princesa ouviu seus gritos desesperados e correu em seu socorro. Quando chegaram, encontraram a princesa encolhida em cima da árvore e a poça de sangue no chão onde os lobos haviam devorado seu amado. Os guardas resgataram a princesa e a levaram de volta para o castelo. 
Por muitos anos ela não disse palavra. Não levantou da cama. Nada fez. Mas passados esses anos, em um dia, ela se levantou, pediu para cortarem seu cabelo que agora estava na altura dos joelhos, e foi para fora. Pelos anos seguintes, comeu bem e treinou bastante, voltou a ficar forte, e recentemente se tornou rainha. Nunca se casou. Quando lhe perguntam sobre o amor, ela diz: "o meu grande amor já não existe mais em carne... Mas a visita dele nunca falha! Vem todos os dias me dar boa noite..." 

29 de maio de 2015

Se um dia eu tiver uma casa

Se um dia eu tiver uma casa, 
Vamos misturar os nossos livros 
Vamos espalhar aquarelas por toda parte, 
Vamos pregar estrelas em todo e qualquer lugar alto.

Se um dia eu tiver uma casa, 
Vamos ter um lugar só para ler;
Vamos comprar montes de livros legais 
Vamos inventar poemas um para o outro.

Vamos sujar a cozinha de farinha e chocolate,
Vamos escutar Dragon Force,
Vamos escutar Hawk Nelson,
Vamos ter um jardim.

Se um dia eu tiver uma casa, 
Vamos fazer murais em todos os cômodos,
Vamos separar um lugar bem legal para O Vestido,
Vamos ter uma prateleira de chaleiras coloridas.

Vamos ter um monte de chás legais;
E mel;
E limão;
E chás com versículos também...

Vamos ter toalhas "ele" e "ela",
Vamos dançar salsa na sala,
Mesmo que nenhum de nós saiba dançar salsa...
Vamos pintar uma parede de dourado 
Vestindo macacões jeans
E nos sujar de dourado

Vamos nos sentar no chão
Em pleno pôr-do-sol
Abraçados
E vamos admirar a parede vazia.

Vamos ter montes de jogos de tabuleiro,
E um tecido acrobático
Para nos pendurar que nem macacos
Sem droga de motivo algum.

Se um dia eu tiver uma casa, 
Vamos criar borboletas, 
Mesmo que elas só vivam por um dia
É o que dizem, pelo menos...

Vamos tocar violão, 
E usar meias listradas de colorido 
Meias que têm dedos 
E suspensórios para você.

Vamos comprar um fusca, 
E sair para conhecer o mar;
Vamos escolher uma noite para fugir para Vegas, 
E vamos conseguir a benção do Elvis Presley.

Vamos ter uma casa na árvore, 
E fazer cookies todo sábado de manhã;
Vamos rir até doer a barriga,
E fazer uma cabana de edredom
Bem no meio da sala
E assar marshmallows...

Vamos ser mil vezes mais pirados
E trinta mais bagunceiros 
Do que qualquer criança do mundo 
Do que os filhos que teremos...

24 de maio de 2015

Conversa Sobre Livros: Edição Especial de Circo

Olá, amigos! Não é segredo pra ninguém que nós amamos circo, e é por isso que vamos inaugurar a coluna "Conversa Sobre Livros" com uma edição especial falando sobre o tema *-* 
Mas antes de começarmos, peço que vocês leiam a apresentação da dinâmica da coluna em "Como Isso Funciona", logo abaixo do cabeçalho do blog; lá nós falamos sobre o objetivo principal da coluna, seu funcionamento, e tal e coisa :) 
Nós vivemos procurando por livros sobre circo, e até hoje encontramos quatro sobre os quais falaremos hoje. 


4. Água Para Elefantes


Com certeza o mais literal de todos. Porque quando se pensa em circo o mágico e o lúdico sempre vêm junto. Mas não neste livro. Primeiramente porque o circo de Água Para Elefantes era um lugar para quem não tinha um outro lugar. Um livro que nos ajuda a enxergar para além do fantástico do espetáculo: para a vida dura de trabalho no circo, a falta de dinheiro e uma vida entregue a Deus-dará. O que eu mais gosto nesse livro não é o romance entre Jacob Jakonwski e Marlena, eu gosto mesmo é da elefante! 

Na verdade, eu considero Água Para Elefantes como uma versão alternativa para a história de Topsy, a elefante de circo que comia cigarros acesos e que foi eletrocultada por Thomas Edison em 1903 originando seu filme Eletrocultando um Elefante; no livro, a elefante se comporta mal porque não entende o idioma em que está sendo treinada, o que poderia ser uma explicação da autora para o mal comportamento de Topsy na vida real... 


3. O Circo do Doutor Lao (As Sete Faces do Doutor Lao)


Um pulo da literalidade para a fantasia total! O Circo do Doutor Lao (também chamado As Sete Faces do Doutor Lao em algumas versões) traz seres fantásticos capturados na China (pelo Doutor Lao), dentre eles uma esfinge, um fauno, um unicórnio, uma medusa, um contemporâneo de Jesus Cristo, uma sereia, bruxas, demônios, cobras, um asno de ouro e muitas, muitas outras! No fim do livro há um guia de 21 páginas citando e descrevendo todos os personagens. E, confesso, nunca vi tantos personagens em um livro de 155 páginas! É uma leitura rápida e muito gostosa que nos apresenta em uma linguagem extremamente irônica e poética o universo desses seres: como vivem, como se sentem, em que pensam... Gosto particularmente do diálogo entre o repórter e a cobra, na página 114. Não vou reproduzir o diálogo por ser muito extenso, mas o livro como um todo é uma viagem com caráter onírico repleta de figuras mitológicas que contrastam com as pessoas pacatas e comuns da cidade de Abalone. 



2. O Circo Mecânico Tresaulti


Há algumas razões para que eu goste particularmente desse livro. Uma delas, é que ele passeia pelo ponto de vista de quem trabalha no circo e de quem assiste o espetáculo. Há um indício narrativo que prova isso: cada hora o livro é narrado em uma pessoa diferente. Alguns capítulos são narrados em primeira pessoa, outros em segunda, e outros ainda em terceira pessoa, de forma que podemos por um instante ser artista, espectador, e narrador. Podemos compreender a realidade do circo sob todos os pontos de vista possíveis e imagináveis! Em segundo lugar, há beleza na tragédia. Apesar dos personagens serem próximos de zumbis, mortos-vivos, ou coisa do gênero, a autora tem uma forma encantadora de falar sobre eles. E em terceiro lugar a abordagem do amor. Podemos reconhecer ali várias formas de amor... O circo é uma família! Toda família tem desentendimentos, toda família tem momentos ruins, mas o que caracteriza uma família é justamente essa união que não pode ser desfeita mesmo em meio às adversidades! E depois tem o amor de Stenos e Bird, que é um amor-ódio, que anda pelas duas coisas... Os dois se estranham, se esganam, se machucam, mas quando Bird quase morre (e isso acontece duas vezes) é Stenos quem está lá para socorrê-la custe o que custar! 

O livro é como um grande conto em que o pré-requisito para qualquer leitor é saber ler as entrelinhas...


1. O Circo da Noite




Um livro mágico. Simplesmente mágico. O meu favorito de todos os que falamos hoje. Não foi considerado uma grande aposta pela crítica por não ser um desses romances água com açúcar chatos que estão bombando hoje em dia. Ao contrário, os personagens principais quase não se encontram. E é essa a mágica... A demonstração de amor sutil dos dois, a densidade dos ambientes retratados no livro, a visualidade que a autora nos permite imaginar, que se tornou uma grande referência para mim, e o mistério. A espera. É justamente a lentidão e a incoerência da narrativa (os capítulos não estão organizados em ordem cronológica) que mais me encantam. 

E também tem a questão do elo. Há uma parte em que Marco fala sobre o elo que lhe une à Celia; quando li, eu nem considerei uma parte tão importante assim, porque de fato não existem frases de efeito e cenas impactantes no livro, mas depois de um certo tempo eu ponderei sobre a complexidade do que ele queria dizer... Celia e Marco foram unidos por uma mágica (um elo) quando eram crianças e foram treinados a vida toda por antigos mágicos rivais para se enfrentaram até a morte de um deles que ocasionaria a vitória do outro (importante lembrar que até mais ou menos a metade do livro eles nem sabiam contra quem estavam competindo). 
A beleza está no fato de que o amor deles nasce da rivalidade, e no fato de que a linha entre amor e ódio é muito tênue, e talvez até inexistente... Acho muito bonito um elo para a morte se converter em um elo de amor...

23 de maio de 2015

O Poeta e a Poesia

Se algum dia te disserem que não se pode viver de amor, duvide. 
Uma vez, em um tempo perdido que poderia ser tanto passado quanto futuro, existiu um garoto. Esse garoto tinha uma bicicleta. Existia também nesse mesmo tempo uma garota - tão fresca quanto a brisa da manhã, e tão bonita quanto um raio de sol - por quem ele era apaixonado. Os dois eram jovens e deles era o mundo. 
Saíram de bicicleta para procurar o mar que nunca tinham visto. A garota disse "tenho um presente para você!"; ela vestia nesse dia um lindo vestido branco. Não um vestido branco qualquer, mas O Vestido Branco. O Vestido Branco mais bonito que alguém poderia ver. Perfeitamente ajustado nas curvas de seu corpo. Leve como uma pétala de flor flutuando ao vento. 
O garoto olhava para ela e só conseguia pensar que ela tinha cara de poesia. 
Como nenhum dos dois houvesse visto o mar, quando chegaram ficaram vários minutos olhando, ela com a cabeça encostada no ombro dele chorando e ele sentindo as cócegas que o cabelo dela fazia e pensando que aquele poderia ser o momento mais sereno de todos os tempos. 
Depois de ver o pôr-do-sol, se esconderam em uma caverna próxima onde ela lhe entregaria o presente. A menina tirou não sei de onde uma caixinha e entregou a ele: "é um presente do meu avô, que ganhou do avô dele; mas nenhum de nós nunca usou, só pode ser usado por alguém muito especial e eu tenho certeza de que esse alguém é você!". 
O garoto abriu a caixa e encontrou uma caneta. Por alguma razão que o garoto desconhecia e nem eu hoje sei, naquele momento ele soube exatamente o que fazer. Começou a rabiscar o vestido da garota. Rabiscou, rabiscou, rabiscou. Se sujou de tinta e sujou também sua amada. Fez com o que seu vestido branco ganhasse vida enchendo-o de lindos desenhos do mar e do mundo... 
A garota olhou para ele e a única coisa em que conseguiu pensar era que ele era o poeta que a compunha. 
Os desenhos do vestido dela criaram vida. Lindas borboletas saíram voando, flores de todas as cores pularam de seu vestido formando um grande jardim dentro da caverna. Do vestido saíram animais, amantes, luas e sóis e toda espécie de coisas feias, belas, raras e comuns. Por fim do vestido saiu o mar. Ondas, conchas e corais. Peixes, surfistas, cachalotes e até o horizonte. O garoto se misturou ao azul do mar e garota ao branco da espuma do mar quando toca a areia da praia. Ambos se misturaram e se embolaram até que já não houvesse como saber mais quem era quem. 
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