28 de maio de 2014

A lenda da estrela viajante

As estrelas estão lá há milhões de anos, muito mais anos do que jamais conseguiremos contar, muito mais anos do que jamais poderíamos imaginar. É um universo grande, amigo. 
Antes das estrelas nascerem, só existia o Verbo, e tudo o que existe além do Verbo, nasceu depois das estrelas. Imagine todas as coisas mais lindas que já viu na vida, e depois imagine que as estrelas viram todas essas coisas nascerem. Elas são como milhares de olhos bordados em veludo escuro, observando atenciosamente a poeira do universo girar e tomar forma. Existem muito, muito mais coisas lá em cima do que jamais poderíamos saber. Por esse motivo, algumas pessoas amam as estrelas, por guardarem eternamente seus milhões de segredos; e por isso eu as odeio, pela ideia de que nunca viverei tempo suficiente para entendê-las. Sou só um velho, sentado na beira do caminho do tempo, esperando, contando pontinhos no céu com a total convicção de que é inútil. As estrelas são o ladrilho do tempo. Eu, um grãozinho de poeira que flutua sem rumo até se perder na vastidão do todo.
A maioria das pessoas têm medo das estrelas, eu acho. Ou da beleza. Já vi o céu muitas vezes, quando era menino. Mas o céu me assustou, e eu parei de olhar. Há pouco tempo, quase sem querer, olhei para cima de novo, reencontrei minhas velhas amigas, e a primeira coisa que pensei foi: "como as pessoas podem ter um espetáculo tão lindo todas as noites, sem ter que dar nada em troca, e mesmo assim não saem para olhar?". Imaginei que se todas as pessoas fizessem ideia do quanto aquelas malditas são bonitas, elas desligariam suas televisões, parariam tudo o que estivessem fazendo, mesmo que fosse amor, e fariam um minuto de silêncio para contemplar as estrelas e se maravilhar com a beleza das coisas que estão tão acima de nós, do nosso controle. 
Dizem que, há muito tempo atrás, havia um garoto que fazia exatamente isso. Todos os dias à noite ele parava tudo o que estava fazendo, e ia conversar com as estrelas. Ele as conhecia não como os astrônomos conhecem; aquele garoto tratava as estrelas como velhas amigas. Ele contava estórias que inventava para elas, às vezes ficava em silêncio, às vezes chorava, porque coisas assim tão grandes e tão bonitas fazem isso com a gente. Às vezes ele se sentia grande, por conhecê-las tão bem; às vezes se sentia pequeno, por elas serem tantas e tão antigas. Às vezes as estrelas contavam histórias para ele também. 
O garoto entendia a importância elas, e elas sabiam disso. Por isso as estrelas foram lentamente se apaixonando pelo garoto, e o garoto passou a amar as estrelas. 
Elas ficavam lá em cima, silenciosas, sussurrando juras de amor que só ele podia ouvir. E ele, lá embaixo, ficava cada vez mais obcecado por tocá-las. Durante o dia, ele inventava mil maneiras de chegar até elas. Tentou construir a escada mais alta do mundo, tentou encher milhares de balões e se prender a eles, tentou saltar o mais alto que podia, tentou nadar bem longe no mar, até o ponto que o mar encontraria o céu, tentou escalar os picos mais altos que conhecia, tentou entrar dentro do telescópio, tentou até mesmo se colocar de cabeça pra baixo e dar impulso com os braços, pensando que assim poderia cair de pé no céu, mas nada disso funcionou. As estrelas amavam-no em silêncio, declarando poesias mudas ou canções de ninar para ele dormir, mas o garoto, sem mais ideias, estava tão triste que nada do que elas faziam adiantava. Ele permanecia lá sentado, com os braços cruzados em volta dos joelhos, em um silêncio que estremecia a Terra. Por causa da tristeza do garoto, todas as estrelas foram se entristecendo também, uma a uma foram ficando apagadas e sem brilho. As estrelas choravam lágrimas invisíveis de amor. O Verbo ouvia o choro das estrelas e ouvia o silêncio ensurdecedor do garoto, e seu coração sentia pena do que ouvia. Então o Verbo, que é o único capaz de chamar cada estrela pelo nome, pois foi Ele quem as criou, teve uma ideia. Criou uma estrela viajante, que cruzaria o céu de tempos em tempos, e desceria na Terra como humana para que eles pudessem ter uma única noite de amor. Desse dia em diante, o garoto, jovem e sonhador, carregando montes de esperança nas costas, corre o mundo todo esperando ela aparecer, como um risco no céu. Costumamos chamá-la de estrela cadente, mas o Verbo deu um nome para ela, um nome que só o garoto e Ele sabem. 
E eu, eu sou apenas um velho, sentado no caminho do tempo, esperando ela aparecer. Milhares de fios de ouro esvoaçando em volta do rosto pálido e luminoso. Vivo esperando o dia em que ela virá outra vez, e me levará embora com ela...
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1 comentários:

Lorenna Biasi disse...

Arrepiei! CORAÇÕES!